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D. Duarte foi o décimo-primeiro rei de Portugal, e foi cognominado
o «Eloqüente», homem de grande cultura e autor de vários escritos. Filho de D. João I e da rainha D. Filipa de Lencastre,
D. Duarte nasceu em Viseu em 1391. Ele reinou de 1433 a 1438. Em 1414, quando se empreenderam os trabalhos para a expedição
a Ceuta, ele não foi encarregado de nenhuma parte dos preparativos militares por lhe ser confiado o despacho dos assuntos
de justiça e de fazenda (que eram negócios mais trabalhosos dos que ao soberano competiam) a fim de que o pai pudesse dedicar-se
mais inteiramente aos assuntos relativos à conquista marroquina. Metódico, aplicado, escrupulouso, exagerou os cuidados que
os problemas lhe deviam dar, a tal ponto que adoeceu. Participou depois na expedição, e no dia da conquista da praça (20 de
Agoste de 1415) foi armado cavaleiro por D. João I. A 22 de Setembro de 1428, casou com a infanta D. Leonor, filha de Fernando
I de Aragão e de Leonor, condessa de Albuquerque, denominada «la rica hembra». A 15 de Agosto de 1433, dia seguinte ao falecimento
de D. João I, veio até D. Duarte o judeu Mestre Guedelha, seu médico e astrólogo famoso, e pediu-lhe que adiasse a cerimónia
de tomar o cetro e entrar na real sucessão, porquanto aquela hora e dia se lhe mostravam de ruins presságios, tanto para êle
rei como para o país. D. Duarte, porém, não concordou no adiamento. Em seguida reuniu côrtes em Santarém, onde atendeu e desembargou
os capítulos (reclamações) e requerimentos das três ordens do Estado. Encerradas as côrtes, mandou coligir, abreviar e corrigir
as leis «ordenações», encarregando especialmente de tal trabalho a João Mendes. Parece que ao labor dêste legista se devem
duas colectâneas que dêsse tempo nos restam, conhecidas por Ordenações de D. Duarte e Livro das leis e posturas. A obra definitiva
só veio a aparecer no reinado seguinte, de seu filho D. Afonso V, e por isso se lhe ficou chamando Ordenações Afonsinas. Entre
as providências que então tomou, foram da maior importância as relativas a problemas de economia, das quais umas se referem
pròpriamente à da sua casa, à da Coroa e da Nação. Para exemplo dos nobres, ordenou que com o seu próprio vestuario se não
gastassem em tecidos de lã e sêda mais de 500 dobras anuais. A mais importante e conhecida das suas determinações relativas
à riqueza pública é a chamada lei mental, nome que lhe veio de já D. João I lhe haver dado aplicação sem a promulgar, isto
é, tendo-a apenas «em mente». Por ela se proibia a alienação dos bens de raiz e dos direitos da Coroa que tivessem sido doados
com doação perpétua e se determinava que à sucessão de tais bens fosse apenas admitido o filho varão primogénito e legítimo,
com exclusão, por conseguinte, das mulheres e de qualquer parente além daquele. Não poderiam as terras ser divididas, nem
de qualquer modo alienadas, devendo conservar-se por inteiro na posse de quem as houvesse herdado, a não ser que ocorresse
dispensa régia. A «lei mental» facilitava a reversão dos bens à Coroa, e, regulou no nosso país o regime do morgadio, que
se prolongou até ao liberalismo. Deu-se também no tempo de D. Duarte maior regularidade à organização militar do país. Duas
moedas novas mandou êle cunhar : os leais de prata de onze dinheiros, pesando 1/84 do marco, e os escudos de ouro de dezóitos
quilates, com o pêso de 1/50 do marco. Ordenou que o assistissem sempre na côrte, revezando-se todos os três meses, um dos
infantes, um dos condes e um dos prelados. Ao concílio de Basiléia, que se abrira em Julho de 1431, enviou em 1436 uma embaixada
de que era principal personagem o conde de Ourém, seu sobrinho e filho primogénito do conde de Barcelos. Anteriormente fôra
levantada no concílio a questão da posse das Canárias, que havia anos se debatia entre Portugal e Castela. A côrte portuguesa
alcançou do pontífice, em 1435, uma bula que lhe concedia a conquista das Canárias, - a que não tinha direito nenhum príncipe
cristão, afirmava D. Duarte. A seguir, no concílio, apresentou o bispo de Burgos uma série de alegações contra as pretenções
de Portugal. Na segunda parte do seu arrazoado exibiu as razões aduzidas pelos Portugueses, e na terceira, as provas a favor
do rei castelhano. Êste afirmava os seus direitos, não só à posse das Canárias, mas também à de Tânger e seu território, por
ser antiga possessão dos reis godos, e os reis de Castela legitimos representantes dêstes. Tais pretenções e protestos foram
atendidos, e o pontífice, numa nova bula, censurou D. Duarte por lhe haver pedido cousa a que não tinha jus (direito). Há
quem pense que esta afirmação castelhana de direitos sôbre Tânger concorreu para que seu irmão, o infante D. Henrique, insistisse
na idéia da conquista daquela praça. Foi durante o reinado de D. Duarte que se obtiveram os primeiros resultados práticos
dos esforços de descobrimento ao longo da costa de África. Em 1434, após uma tentativa infrutífera no ano precedente, Gil
Eanes consegue dobrar o cabo Bojador, e no ano seguinte repete a viagem em companhia de Afonso Gonçalves Baldaia, avançando
os dois cinquenta !éguas para além do cabo. Em 1436 atingiu Afonso Gonçalves a reentrância da costa a que indevidamente se
chamou «rio do Ouro». O acontecimento de maior relêvo do reinado, e êsse infelicíssimo, foi a expedição a Tânger (1437). Nasceu
ela, segundo o depoimento de Rui de Pina, da ambição do infante D. Fernando. Diz o cronista que êste se achava descontente
com a porção de bens que possuía ; e porque se lhe afigurava que em terras e rendas «era desigual em muita parte aos infantes
seus irãos, mostrava de si grande descontentamento» ; por isso, «para abrir caminho de acrescentar mais seu estado», disse
um dia em Almeirim ao rei seu irmão que, apesar de que êles, infantes, possuíam talvez mais do que o reino e a fazenda real
podiam sofrer, êle, sem embargo, não estava satisfeito. E acrescentou : «como quere, Senhor, que vosso reino foi assaz grande
para berço em que nos criássemos de pequenos, agora é mui pequeno para nos criar em grandes». Em suma, pedia-lhe licença para
abandonar o país, a fim de «ir ao Santo Padre, ou para o imperador, ou para França, onde, pela mais largueza das terras, terei
eu em meu acrescentamento, ainda, que seja com meu trabalho, maior esperançal». O rei «ficou triste e suspenso ; porque lhe
pareceu que o infante não era contente do que tinha, e sabia que seus reinos não estavam em disposição para, sem desfazimento
de sua coroa, lhe poder dar mais». Pediu-lhe D. Duarte que não insistisse no projecto, dizendo-lhe : «e pôsto que não tenhais
tantas terras como mereceis, eu sempre o emendarei com outras mercês, de guisa que o vosso estado sempre tenha aquêle repairo
e conservação que for possível». Continuou porém D. Fernando a mostrar-se descontente, de maneira que o soberano recorreu
ao seu outro irmão D. Henrique, para que dissuadisse D. Fernando de abandonar o país ; e D. Henrique sugeriu como solução
as conquistas em Marrocos. Alegou D. Duarte que não era favorável o momento para tal feito ; o estado da fazenda não permitia
novas despesas, etc. De nada serviram estas objecções. D. Henrique, em vez de aconselhar D. Femando, passou a insistir com
D. Duarte, e, como era voz corrente que a rainha tinha sôbre o rei grande infuência, insinuou-se no ânimo da cunhada para
que o auxiliasse, explorando a má-vontade de D. Leonor a D. Pedro (o qual, certamente, reprovaria a emprêsa) e adoptando como
filho, de companhia com D. Femando, o filho segundo da soberana, para que fôsse herdeiro dêles. Tal é a versão do cronista,
à qual põem certas restrições os eruditos que se convencem de que no espírito de D. Duarte pesaria o caso da contestação com
Castela a propósito das Canárias e do território de Tânger. O certo é que se passaram dois anos, e que D. Henrique voltou
à carga quando o papa Eugénio IV mandou a bula da Cruzada, de que D. Duarte não tencionava aproveitar-se logo, mas de cuja
chegada D. Henrique se apressou a tirar partido, tornando a valer-se da influência de D. Leonor. Formou-se o programa da expedição
; e como não havia dinheiro, reuniram-se em meado de Abril de 1435, em Évora, as côrtes, lançando-se pedido e meio, «não sem
grande murmuração e descontentamento do povo, cujas vozes e lamentações feriam a alma de el-rei com muita tristeza». E «porque
el-rei determinou esta ida dos infantes em África sem conselho do infante D. Pedro e do infante D. João e do conde de Barcelos
seus irmãos, e de outros principais do reino, e sabia que êles se haviam disso por mui agravados», diz Pina, em Agôsto reuniu
tardiamente conselho, em Leiria. Os infantes D. João, D. Afonso e D. Pedro apresentaram todos razões contrárias ao projecto,
êste último com maior insistência e mais firmeza. (Porém, como o soberano, afinal, não desistiu, D. Pedro obedeceu, colaborou
nos preparativos e superintendeu na organização da frota do Porto). Entretanto, os que queriam a expedição, para pararem o
golpe da reprovação por D. Pedro, sugeriram que se consultasse o papa. Assim fêz D. Duarte, perguntando especialmente se seria
lícito fazer guerra aos infíeis e lançar para ela pedidos aos povos. A resposta do pontífice foi desfavorável à guerra nas
circunstâncias que realmente se davam, isto é : ser para conquista de terras dêles próprios infiéis, e com impostos sôbre
o povo. Esta opinião, todavia, demorou, e entretanto tinham voltado a enlear o soberano e a abusar da sua fraqueza. Quando
a resposta do papa chegou à côrte, ja os preparativos da expedição iam tão adiantados, que se não podia voltar atrás. A 22
de Agôsto de 1437 largaram os infantes D. Henrique e D. Fernando da praia do Restêlo, com a parte da frota organizada em Lisboa.
A D. Henrique deu o rei ordens que aquêle se dispensou de respeitar. A 27 chegaram a Ceuta, onde já encontraram a parte restante,
que fôra do Porto sob o comando do conde de Arraiolos. Passando ali revista ao exército, D. Henrique encontrou bastante menos
homens do que o número que se decidira enviar. Segundo Pina, faltaram mais de metade. Segundo uma carta de D. Duarte, mais
da quarta parte. É que muitos haviam preferido incorrer na perda da sua fazenda, que lhes era imposta por não irem, a arriscar
a vida num lance que os não interessava em cousa alguma e que muitas personagens grandes e competentes decididamente reprovavam.
Havia falta de navios e de dinbeiro, e os próprios que chegaram a Ceuta se mostravam descontentes, possìvelmente por se darem
conta das deficiências da expedição. A 9 de Setembro partiram de Ceuta por terra em direcção a Tânger, com excepção de D.
Fernando, que foi por mar. O ataque à praça começou a 13 de Setembro ; a 9 de Outubro já a condição dos Portugueses era desesperada,
e a 16 chegava-se ao seguinte acôrdo : os Portugueses embarcariam apenas com a roupa que traziam vestida, deixando artilharia,
armas, cavalos e o mais que havia no arraial. O infante D. Henrique tomava pelo rei seu irmão o compromisso da entrega de
Ceuta e o ajuste de paz por cem anos entre Portugal e os Berberes. Um dos infantes ficaria como refém da entrega de Ceuta.
Sala-ben-Sala, govemador de Tânger, dava em refém da livre partida dos nossos seu filho mais velho, e por êste responderiam
4 portugueses que lhe foram entregues. No mesmo dia se entregou ao cativeiro o infante D. Fernando com mais sete portugueses
para o acompanharem e servirem, além dos quatro reféns correspondentes ao filbo de Sala-ben-Sala. Apesar do ajuste, no dia
seguinte embarcaram os Portugueses dificultosissìmamente, atacados pelos mouros, e deram-se entre êles tristes casos de cobiça
e desregramento que, conbecidos mais tarde por D. Duarte, agravaram o desgôsto que lhe causou o desastre. Estava D. Duarte
em Santarém quando teve as primeiras notícias de que seus irmãos se achavam em grande apêrto, e (diz Pina) «como sentiu que
pela desordem do arraial, contrária às suas ordens, não havia esperança de socorro, recebeu por isso muita mais paixão e tristeza,
e ainda a recebera muito maior se com êle não estivera o infante D. Pedro». Finalmente chegaram navios de Tânger, e então
veio a conhecer a verdade tôda, a imensidade, da catástrofe, a inutilidade de quaisquer socorros. Convocou côrtes em Leiria
para Janeiro de 1438. Desculpou-se aí do malôgro da expedição, lançando as culpas, a D. Henrique, que não cumprira as instruções
do que lhe tinha dado. Sôbre se se restituiria ou não Ceuta, e, no caso de se não dever entregar a praça como se faria para
resgatar D. Fernando, pediu opinião por escrito. Foram quatro os pareceres apresentados a saber : a) o dos infantes D. Pedro
e D. João, de alguns fidalgos e da maior parte dos procuradores das cidades e vilas do reino, segundo o qual se deveria entregar
a praça e livrar D. Fernando ;
b) o do arcebispo de Braga e outras pessoas, segundo o qual se
não devia larga Ceuta sem licença du papa, visto ser já terra cristã ;
c) o dos partidários dos meios dilatórios, pelos quais se iria
conservando Ceuta e tentando resgatar o infante por boas maneiras, ou por dinheiro e cativos, etc ;
d) o do conde de Arraiolos e mais pessoas que opinavam decididamente
cuntra a entrega da cidade.
Perante estas divergências continuou o infeliz rei nas suas perplexidades
e nos seus remorsos, que acabariam por o matar se a peste não tivesse vindo pouco depois libertá-lo da sua misérrima situação,
nesse mesmo ano de 1438, em Tomar, aos 13 dias du mês de Setembro. Apesar da sua curta e acidentada vida, prestou D. Duarte
óptimos serviços, não só de protecção das Letras portuguesas, mas de enriquecimento destas, pelas próprias obras que nos deixou
de sua auturia. Além de mandar traduzir vários livros, organizou nos seus paços uma excelente bibliotéca composta das obras
herdadas de seu pai e de outras compradas por intermédio das feitorias portuguesas nu Norte da Europa.
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